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  • Foto do escritorLuiz Henrique Alochio

“Corrupção: O Efeito Nocivo do Compadrio e do Abuso de Poder”.


Esse texto é um mero “roteiro” de exposição realizada na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional ES, a convide da AESAP (Associação dos Advogados Públicos). Não constitui um artigo. Foram mantidos todos o erros de digitação e as incompletudes pois, como referido, destinava-se apenas a roteirizar uma apresentação.


Senhores e Senhoras que hoje estão aqui presentes, a todos e todas cumprimento na pessoa da Dra. Vanessa Espíndula, Presidenta da AESAP.


Agradeço o honroso convite para estar proferindo esta fala, em tão importante evento que congrega a Comunidade Jurídica do Espírito Santo em torno de um tema que a todos nos une: a compreensão e a prevenção ao fenômeno da corrupção.


Ao receber o convite, tomei a liberdade de apontar um detalhe à Organização deste evento. E esse detalhe gerou a fixação do tema de minha fala, aparentemente destoando do objetivo geral de todo o seminário.


Buscarei demonstrar que não destoo do contexto. Não estamos desfocados do conjunto do debate. E não, ao falarmos em abuso de poder não estamos buscando argumentar como advogados de defesa .


Vamos ver estas facetas da CORRUPÇÃO.

O que é falar de corrupção?


Costumeiramente ao dizermos expressões como CORRUPÇÃO e CORRUPTO, temos a pré-disposição de compreendermos algo em torno dos seguintes elementos:


1. Um desvio criminoso de conduta;


2. “Apropriação indevida” de dinheiro público;


3. Fraudes;


4. E situações do gênero.


Quanto à CONDUTA, é plasmado no imaginário o seguinte:


1. Um AGENTE PÚBLICO;


2. Na condição de CORRUPTO pedindo alguma vantagem ilícita.


Este imaginário pré-seleciona de forma equivocada AQUILO QUE SE DEVE BUSCA PREVINIR, CONTRA QUEM SE DEVE PRECAVER, bem como, o LOCAL DA PREVENÇÃO.


Neste modelo SEMÂNTICO — até agora VAZIO — vemos que há quem faça a distinção — com ares de grande relevância prática — entre PREVINIR x COMBATER. Argumentam: só se COMBATE aquilo que se almeja EXTERMINAR (como se o FIM ou EXTERMÍNIO possa algo possível); enquanto a CORRUPÇÃO, no máximo, se podendo CONTROLAR (e não EXTIRPAR) deve ser objeto de PREVENÇÃO.


Voltando ao mondo bizarro dos fatos concretos, então, vamos ver algumas observações peculiares:


PRIMEIRO: a corrupção não é exclusividade do PODER PÚBLICO?


É preciso atenção, para que não deixemos passar o que é menos óbvio:


1. Quando há um CORRUPTO, é por que houve um CORRUPTOR: o esquecimento do CORRUPTOR, ou trata-lo como vítima das circunstâncias, está sendo arrefecido, quando deveria ser incrementada atenção CONTRA QUEM CORROMPE:


Corruption is an exchange relationship between a decision maker and an interested person offering or promising an advantage in exchange for a desired decision outcome, while fraud can in principle be committed as a solitary act. Prof.Dr. Petrus C. van Duyne Tilburg University, Netherlands. Will Caligula go transparant? Corruption in acts & atitudes. http://www.petrusvanduyne.nl/wp-content/uploads/2017/08/Corruptie-VN.pdf

2. Lembrar que a CORRUPÇÃO não é exclusividade do SERVIÇO PÚBLICO: as fraudes milionárias que levaram à falência milhares de investidores nos EUA que o digam.



Corruption is an improbity or decay in the decision-making process in which a decision-maker (in a private corporation or in a public service) consents or demands to deviate from the criterion, which should rule his decision making, in exchange for a reward, the promise or expectation of it.
Prof.Dr. Petrus C. van Duyne Tilburg University, Netherlands. Will Caligula go transparant? Corruption in acts & atitudes. http://www.petrusvanduyne.nl/wp-content/uploads/2017/08/Corruptie-VN.pdf


3. E o que nos traz ao tema desta minha fala: não só de FRAUDES ou DESVIO DE VALORES vive a noção de corrupção. NA VERDADE “fraude” e “corrupção” devem ser vistas a parte.



SEGUNDO: corrupção ocorre ou pode ocorrer onde houver possibilidade de qualquer decisão discricionária ou com ausência de critérios objetivos mínimos a guiar a escolha.


Corruption is directly related to the discretionary freedom or power in the decision making process.
Prof.Dr. Petrus C. van Duyne Tilburg University, Netherlands. Will Caligula go transparant? Corruption in acts & atitudes. http://www.petrusvanduyne.nl/wp-content/uploads/2017/08/Corruptie-VN.pdf

A noção de CORRUPÇÃO à qual me refiro, apenas para ficarmos em DUAS hipóteses, também pode estar presente:


The second element concerns the subsequent justification of the bought decision: the decision maker must always veil the improper nature of this exchange relationship. He must pretend to have acted in accordance with the accepted criteria of decision making or - if there is a monetary trade-off - he will have to defraud, which is the reason why fraud is so often technically connected to corruption.
Prof.Dr. Petrus C. van Duyne Tilburg University, Netherlands. Will Caligula go transparant? Corruption in acts & atitudes. http://www.petrusvanduyne.nl/wp-content/uploads/2017/08/Corruptie-VN.pdf

PARA TANTO, gostaria de adotar o quadro do PROF. DUYEN sobre as CATEGORIAS DE CORRUPÇÃO:




Corrupção

público x público

Ex. um agente público que sendo proprietário oculto de uma CONSULTORIA tem contrato com o PODER PÚBLICO onde trabalha; Oficiais públicos do ESTADO e do MUNICÍPIO chegam a um acordo sobre uma política pública, mesmo que seja prejudicial a um dos órgãos; etc.



Corrupção

público x privado

Quando o PÚBLICO gera multi etapas a fim de buscar que o PRIVADO se disponha a oferecer uma TROCA em retorno de uma ACELERAÇÃO do processo ou SUPRESSÃO de requisitos.


Corrupção

público x político

Relações impróprias que, a despeito de não ocorrer necessariamente transações em R$, ocorrem trocas em favores.


Corrupção

privado x privado

Caixa 2, Manipulação de preços, manipulação de contratos etc


Corrupção

privado x político

Conflitos de interesses, propinas, compra de votos, enriquecimento pessoal indevido


Corrupção

político x político

Nepotismo, Acobertamentos mútuos



Agora estamos habilitados a tradar das formas menos óbvias de corrupção ...


Primeiro: COMPADRIO e PATROMINIALISMO



Analisando de início o COMPADRIO é essencial trazer ao debate outra expressão: o PATRIMONIALISMO.


E o faremos sem adentrar nas discussões sobre o patrimonialismo como tomado por WEBER (especialmente na questão da legitimidade da dominação, ou a relação entre DOMINANTE e DOMINADO). Ou as distinções da visão de FAORO e FLORESTAN FERNANDES.


Permitam-me citar um texto de RUBENS GOYATÁ CAMPANTE, sobre a obra de RAYMUNDO FAORO, que é uma ótima descrição do problema — para o que se deseja nesta exposição:


A obra Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro, de Raymundo Faoro, traz como tema central uma explicação para as mazelas do Estado e da nação brasileiros: a estrutura de poder patrimonialista estamental plasmada historicamente pelo Estado português, posteriormente congelada, transplantada para a colônia americana, reforçada pela transmigração da Corte lusa no início do século XIX e transformada em padrão a partir do qual se organizaram a Independência, o Império e a República no Brasil.


Vemos o PATRIMONIALISMO:


i. Plasmado no Estado Português


ii. Vem transplantado para a Colonia;


iii. É reforçado com a transmigração da Corte;


iv. Converte-se em PADRÃO de comportamento;


v. E deste PADRÃO se organizam:

a. A independência

b. O império e

c. A proclamação da República e seu processamento futuro.


Não reclamemos dos Portugueses. Já tivemos tempo suficiente desde a independência para a mudança de hábitos. Não o fizemos. Recrudescemos o vício.


A proclamação da República — infantilmente ainda lemos que se deu para contenção de despesas do Gabinete do Imperador — veio incrementar o patrimonialismo, convertendo-se em elemento seminal do comportamento público e privado da nação.


Vamos realizar apenas duas observações sobre o compadrio e o patrimonialismo que penso serem capazes de bem identificar a gravidade do problema.


A primeira, vem de fonte antiga, mas ainda atual:


A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vem nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade... ...promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.


E prossegue o autor desta frase:


De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto... (Muito bem
Essa foi a obra da República nos últimos anos.
No outro regímen, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais. (Muito bem).
Na República os tarados são os tarudos. Na República todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática das instituições. Contentamo-nos hoje com as fórmulas e aparência, porque estas mesmo vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos restando. [...]
E nessa destruição geral das nossas instituições, a maior de todas as ruínas, Senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo interesse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos Governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolva um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem, mas que ninguém tem coragem e apontá-lo à opinião pública, de modo que a justiça possa exercer a sua ação saneadora e benfazeja.

Ao lado da INJUSTIÇA, o patrimonialismo traz consigo o não apreço pela SELEÇÃO DE PESSOAS POR UM SISTEMA DE MÉRITO — e aqui não se entenda a expressão meritocracia, tão amplamente empregada com distorção pela ausência de qualquer valoração crítica de seu conteúdo.


Os amigos do regime enfronham-se nos negócios públicos e privados não pelo desempenho pessoal. O fazem — ou recebem de seus apadrinhadores — de forma a gerar uma troca contínua de posições e favores.


Sim. Isto também afeta o setor privado, já se tendo cunhado a expressão CAPITALISMO DE ESTADO.


Todavia, ficaremos no serviço público.


Das palavras de Rui Barbosa saltamos vertiginosamente para a Constituição de 1988!


Desde a primeira constituição — 1824, Constituição do Império — houve menção ao mérito pessoal para recrutamento de servidores:


Art. 179
14) Todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não seja a dos seus talentos e virtudes.

Todavia não trazia a forma. Ou como implementar essa admissão por talentos e virtudes — como REGRA.


Situação semelhante ocorre em 1891:


Art. 73 - Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas.

A constituição de 1934 refere ao CONCURSO:


Art. 168 - Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, sem distinção de sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir.
Art. 169 - Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa.

A Constituição de 1937 fala em PRIMEIRA INVESTIDURA:


Art. 156 - O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor:
[...]
b) a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-á mediante concurso de provas ou de títulos;

Isso nos legou os chamados CONCURSOS INTERNOS


Em 1946 teremos:


Art. 186 - A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde.

Na CF de 1967:


Art. 95 - Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, preenchidos os requisitos que a lei estabelecer.
§ 1º - A nomeação para cargo público exige aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.

O texto de 1969 volta a falar em primeira investidura:


Art. 97. Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.
§ 1° A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei.

Finalmente chegamos a 1988:


Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Temos uma LONGA LUTA contra o APADRINHAMENTO, contra o COMPADRIO, contra o PATRIMONIALISMO.


Hoje o servidor — recrutado por concurso — é tomado como um FATOR NEGATIVO. Hoje, sob o mote da CORRUPÇÃO busca-se o fim da ESTABILIDADE: eis a pergunta, para SERVIÇO DE QUEM?


Todavia, o COMPADRIO não é exclusividade do SERVIÇO PÚBLICO.


É preciso combater este filho nocivo do PATRIMONIALISMO nos NEGÓCIOS PÚBLICOS.


Nos ACESSOS AO FOMENTO, na TRANSPARÊNCIA DOS MODELOS REGULATÓRIOS, na ACCOUTABILITY DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE (incluem-se nestes formadores de posição pública, igualmente, o MINISTÉRIO PÚBLICO e MAGISTRATURA, ainda hoje despidos de CONTROLE EXTERNO sob o discurso ad terrorem de VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA).


Eis o problema. O COMPADRIO é ENTRANHADO no brasileiro. Nem mesmo o reconhecemos como “CORRUPÇÃO”. Há uma aparência de ser situação de menor poder ofensivo.


Todavia, retorno a RUI: é o COMPADRIO que assassina a INVENTIVIDADE, que aniquila o EMPREENDEDOR, que arrefece o ESPÍRITO DOS QUE LUTAM POR SEUS MÉRITOS. Este prejuízo, de impacto por décadas, acarreta severas perdas à nação. Se pudéssemos monetizar esse prejuízo, sua casa ultrapassaria os trilhões. Porém, o pior impacto é o moral.


Neste campo, só uma expressão nos ajudaria: ACCOUNTABILITY.


Por fim, e se sobrou espaço tempo, desejo falar de outra forma de CORRUPÇÃO, que não é entendida como CORRUPÇÃO.


Muito pelo contrário. É talvez vista como COMBATE À CORRUPÇÃO.


Por ABUSO DE PODER precisamos compreender algo. Mas antes, é preciso retornar ao CONCEITO DE CORRUPÇÃO do PROFESSOR DUYEN, quando o TOMADOR DE DECISÃO (decision maker) tendo um ESPECTRO DE OPÇÕES acaba BUSCANDO JUSTIFICAR A DECISÃO TOMADA, dentro de espectro de decisões, ainda que o MÓVEL não seja o pretendido pelas REGRAS DE DECIDIR.


Por essas razões órgãos públicos devem ser providos de ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO.


Mas, quem VIGIA O VIGIA? Quis custodiet ipsos custodes?


Quanto aos órgãos de CONTROLE, vigora uma expectativa quase Messiânica: o juiz fulano nos salvará! Ou o tribunal de contas vai corrigir tudo! Ou o Ministério Público! E assim por diante.


Por ACCOUNTABILITY devemos entender primeiro, o que o agente seja ACCOUNTABLE.


As AÇÕES AOS BORBOTÕES, acabam, se não levadas a cabo, encarecendo a corrupção pois ... o mercado se adequa aos custos.


Obrigado pela atenção.


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