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  • Foto do escritorLuiz Henrique Alochio

A Sociedade Federalista e Roosevelt. O que isso tem a ver com o Brasil?

Luiz Henrique Antunes Alochio

Advogado. Doutor em Direito (Uerj).



O ano era 1982. Um grupo de advogados, magistrados, estudantes e professores de Direito (Yale, Harvard e Chicago) resolve fundar a Federalist Society, uma entidade para desafiar aquilo que acreditavam ser a ideologia “liberal” ganhando corpo nas Faculdades Americanas. O grupo realizou um encontro inaugural sobre o Federalismo, seus efeitos jurídicos e políticos, tendo como expositores Antonin Scalia, Robert Bork e outros. 40 anos depois a FedSoc é uma das mais fortes instituições de difusão de cultura jurídica conservadora.


Reprodução da imagem do New York Times de 2 de maio de 1982.


Nas palavras de Scalia, “achamos que estávamos plantando algumas flores em meio às ervas daninhas dos liberais, mas acabamos vendo crescer um forte carvalho”. O vice-presidente de longa data da FedSoc, Leonard Leo, é considerado um dos maiores responsáveis pelo planejamento e execução efetiva da retomada da maioria dos Ministros da Suprema Corte Americana (hoje 6 republicanos x 3 democratas).


Para quem é “de esquerda” e acredita pela leitura do parágrafo anterior que os “conservadores” americanos são os únicos preocupados com os limites entre os Poderes, é preciso ver que em 1937 o Presidente Roosevelt tentou a modificação da composição da Suprema Corte: o “Pack the Court”.



O projeto de lei não foi aprovado quanto à Suprema Corte. A história tem dois lados. No que interessa, a Suprema Corte não mais interferiu tão negativamente no New Deal. Por exemplo, quanto a Corte confirmou a constitucionalidade da legislação do salário mínimo em West Coast Hotel Co. v. Parrish e outros casos. Há historiadores que sustentam que a mudança de alguns votos não têm ligação com a projeto de lei de Roosevelt. Mas o ator e humorista Cal Tinney cunhou a expressão "the switch in time that saved nine" ou a "mudança em tempo de salvar os nove", em alusão aos nove assentos de Ministros (Justices) da daquela Corte.


Observe-se que os Democratas voltaram a querer, a partir do Governo Biden, um “Pack the Court”, agora com outro nome: “Fix the Court”. Particularmente o aumento do número de vagas no Tribunal.




No Brasil a questão do embate entre os poderes já estava anunciada. Após uma redemocratização mal executada, deu-se um congresso constituinte enjambrado. Um congresso eleito para ser parlamento e aproveitado para ser constituinte, com 1/3 de Senadores remanescentes da eleição de 4 anos antes (não foram votados para serem constituintes). Estava desenhado no horizonte que o futuro traria problemas. Sequer comentaremos as 128 Emendas que a Constituição já recebeu.



Para piorar, o país caiu na tentação de desacreditar a política, com a transferência de legitimidade decisória dos ocupantes de cargos eletivos (desde o Presidente da República aos Vereadores) para os ocupantes de cargos que não recebem um único voto. Juízes, Membros do Ministério Público, Auditores, Ministros e Conselheiros de Tribunais de Contas, Advogados Públicos, a lista é grande. No país do bacharelismo há a crença que a partir de um “concurso de nível superior”, aquela pessoa terá ipso facto melhores critérios decisórios que outra cuja legitimidade venha do voto popular. Este não é um discurso antiacadêmico, de maneira nenhuma. Apenas não se pode crer que um “concurso” seja uma membrana que, após transposta, converta o aprovado num ser infalível, ao ponto de poder simplesmente substituir a vontade popular plasmada nos critérios decididos por autoridades legitimamente eleitas.


A tentação é enorme, ao ponto de algumas vezes parecer ser intencional a confusão entre a correção de uma “ilegalidade” com outra coisa bem distinta, que seria simplesmente a substituição da opção legítima do gestor eleito, quando há duas ou mais opções lícitas. Inúmeras vezes a gestão pública exige interpretações e escolhas e, até mesmo, sofre impacto de visões de mundo bem distintas. Muitas vezes uma mesma política pública pode ser executada por formas diferentes. Não que haja uma ilegalidade. O gestor eleito escolhe a “opção A” dentre algumas possíveis escolhas. Um outro órgão não deveria poder substituir “a opção A pela B”. Isso se denomina autocontenção ou auto restrição dos órgãos de controle, o que no Brasil é muito escasso.


A legitimação pelo voto perdeu valor de mercado. E elevaram à última potência expressões como “função contramajoritária”, como se toda opção de “representante da maioria” devesse ceder espaço. A função “contramajoritária” não se pode converter numa aspiração de “decisões iluministas” de uma minoria. Muitas vezes não passa de buscar obter o que perderam fragorosamente no voto popular e nos debates políticos no Parlamento.


O bilhete de aviso de Roosevelt não foi lido pelos gestores do Brasil. Nem temos algo similar à Federalist Society.


Direita e esquerda se abraçam e morrem afogados juntos nesse quesito. Não olharam para situações críticas como os limites de intervenção de órgãos não eleitos sobre escolhas realizadas por agentes públicos dotados da legitimidade do voto (e a soberania popular sofreu duro golpe). Novamente: nem toda discordância de critérios pode – muito menos deve – ser confundida com “ilegalidade”. É preciso recordar o básico: a Separação de Poderes.


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